Se já aqui dissertei acerca da bola de fezes que me apetece atirar à cara de quem produz powerpoints animados e depois não consegue atinar com a apresentação falada, hoje venho apresentar o mais recente episódio.
Capítulo 1. Factos conhecidos.
Eu sou pessoa que sai pouco de casa. É uma realidade, não é
uma queixa. Pois se tenho pernas e viatura não há razão para estar em casa
senão a constatação diária de que muitas pessoas são uns palermas
e o desejo insaciável de não me cruzar com elas.
Também é de notar que, na vida real, ao contrário do blog, no
meu grupo de amigos, conhecidos e colegas, eu sou talvez a pessoa mais
pacífica, conciliadora (a chamada fucking hippie) e que, em geral, menos se chateia
seja com o que for. A idade trouxe-me uma espécie de escudo pelo qual desliza
praticamente tudo. E daí também a fraquíssima qualidade recente deste blog que
não se alimenta de flores e cachorrinhos mas sim de ódio e pestilência.
É ainda facto que eu não sou pessoa que se indigna. Gosto de
exercer o direito à não indignação. O mundo está carregadinho de activistas de
sofá e eu ando aqui a fazer a minha parte com a investigação que desenvolvo,
sem dramas, sem histerias, sem cóleras mal contidas.
Dito isto, ontem fui a uma conferência – que até foi boa,
atenção! – acerca do meu tema de tese. Muito bem organizada, gostei mesmo. As
comunicações começavam à hora, terminavam à hora e quem não estivesse azareco,
chegasse depois. Por uma vez o público não foi dono e senhor da conferência, a
organização é que impôs as regras. Por uma vez a hora académica não foi
diferente da hora cronológica.
Capítulo 2. A pecha.
Durante a conferência houve comunicações excelentes. Dados
importantes, matéria de discussão e reflexão. Mas, no meio, uma irritação que começou
ontem mas que se avizinha recorrente para o remanescente da minha carreira: a
piroseira das hormonas femininas que invadem as conferências e me provocam um
misto de nojo e sono, que é um sentimento difícil de gerir em público.
Situação A. Vejo o nome de uma autora que escreve muito sobre o assunto. Era a moderadora. E digo à minha companheira de doutoramento “Ah,
que giro, nunca a vi ao vivo. Espero que fale melhor do que escreve.” Esta senhora,
quando se espreme muito bem o que ela escreve, oferece uns dados interessantes.
Mas até chegar ao sumo temos que passar por uma polpa demagógica e caroços de
poesia-de-caderno-da-Hello-Kitty. Habitualmente faço uma leitura diagonal (vá, já não leio) e sigo directamente para a conclusão, onde finalmente resume aquilo
que se diria em duas páginas.
Enquanto moderadora tem um papel: apresentar os oradores,
ver as horas, fazer um resumo no fim, abrir a discussão, se possível. Mas não.
A poetisa decidiu fazer uma introdução oral muito ao modo das suas introduções
escritas. Por momentos pareceu que iria irromper em canção. The Greatest Love of All, da tia Houston, veio
à mente. Depois foi só um zumbido forte, pegar no telemóvel e ir
espreitar o mail, que perdi o interesse. Lá está. Podia ter ficado toda
irritada mas, em vez disso, etiquetei-a mentalmente e siga.
Situação B. A situação B cimentou os sentimentos que
começaram a surgir na situação A. Uma senhora, que tinha uns dados interessantes
e uma belíssima dicção, acaba a comunicação com um discurso moralista e fofinho
e, para pontuar, um poema.
Soou-me condescendente, para mulheres, fofuchinho. Contra
mim falo. Certamente já encafuei citações delicodoces em apresentações minhas.
Mas visto de fora pareceu-me pouco científico. Estamos em ciências sociais.
Batemo-nos constantemente pelo direito de sermos considerados ciência séria.
Apresenta-se resultados, dados, teoria. Mesmo dentro da sociologia, o pessoal
das classes sociais ou da agência e estrutura já olha para a família e infância como “aw, adorable!”. Começo
a compreender que, por sermos gajas, isto ainda tem uma implicação mais
hormonal.
Valeu-me de consolo o facto de ser uma conferência de
psicologia. A ver se a pecha se mantém nos congressos de sociologia que aí vêm
ou se vou ser mais simpática por serem os meus pares. É que, pronto, não é por
nada, mas não gosto de psicólogos.
Capítulo 3. Ensinamentos para o futuro.
Há uns meses o kramer foi ver uma comunicação minha. Disse
que eu sou muito informal, deveria improvisar menos e oferecer mais dados. “Se
tu passas a vida a estudar, tens conhecimentos sobre o assunto, não há razão
para não mostrares que sabes.” Não sendo essa a minha postura (“mostrar
que sabes”), a verdade é que ontem foi claro que tudo quanto não seja estritamente
científico pode ser lido como falta de saber.
Portanto, retiro esta lição: se não corrijo a minha postura
já tendencialmente informal, vou chegar à menopausa e as minhas apresentações
vão estar pejadas de gatinhos e eu vou chorar e fazer apelos à acção. I believe the children are our future!!! *choro descontrolado*
Epílogo.
Sento-me num auditório que alberga centenas
de pessoas. Uma tipa qualquer pede-me para sair do lugar onde ela estava sentada meia hora
antes, para, cito “ficar perto das alunas”. Albarda-se o burro à vontade do
dono. Eu movi-me para a cadeira do lado. "Então e nesta?" "Estava aí uma colega minha que não sei se vem." Sento-me na cadeira seguinte. Durante a conferência surge a vontade urgente de sair antes da última comunicação. E aí passei demoradamente com as mamas em frente à
cara da doutora e da colega que nunca chegou, forçando-a a assumir uma postura submissa perante as fofas das alunas. Queres psicologia, filhadaputa? Toma lá
um bocadinho de fêmea alfa na testa. Em
forma de tetas.
Karvela
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