Conferências, seminários e outros congressos. Part Deux.



Capítulo 1. Factos conhecidos.

Eu sou pessoa que sai pouco de casa. É uma realidade, não é uma queixa. Pois se tenho pernas e viatura não há razão para estar em casa senão a constatação diária de que muitas pessoas são uns palermas e o desejo insaciável de não me cruzar com elas.

Também é de notar que, na vida real, ao contrário do blog, no meu grupo de amigos, conhecidos e colegas, eu sou talvez a pessoa mais pacífica, conciliadora (a chamada fucking hippie) e que, em geral, menos se chateia seja com o que for. A idade trouxe-me uma espécie de escudo pelo qual desliza praticamente tudo. E daí também a fraquíssima qualidade recente deste blog que não se alimenta de flores e cachorrinhos mas sim de ódio e pestilência.

É ainda facto que eu não sou pessoa que se indigna. Gosto de exercer o direito à não indignação. O mundo está carregadinho de activistas de sofá e eu ando aqui a fazer a minha parte com a investigação que desenvolvo, sem dramas, sem histerias, sem cóleras mal contidas.

Dito isto, ontem fui a uma conferência – que até foi boa, atenção! – acerca do meu tema de tese. Muito bem organizada, gostei mesmo. As comunicações começavam à hora, terminavam à hora e quem não estivesse azareco, chegasse depois. Por uma vez o público não foi dono e senhor da conferência, a organização é que impôs as regras. Por uma vez a hora académica não foi diferente da hora cronológica.

Capítulo 2. A pecha.

Durante a conferência houve comunicações excelentes. Dados importantes, matéria de discussão e reflexão. Mas, no meio, uma irritação que começou ontem mas que se avizinha recorrente para o remanescente da minha carreira: a piroseira das hormonas femininas que invadem as conferências e me provocam um misto de nojo e sono, que é um sentimento difícil de gerir em público.

Situação A. Vejo o nome de uma autora que escreve muito sobre o assunto. Era a moderadora. E digo à minha companheira de doutoramento “Ah, que giro, nunca a vi ao vivo. Espero que fale melhor do que escreve.” Esta senhora, quando se espreme muito bem o que ela escreve, oferece uns dados interessantes. Mas até chegar ao sumo temos que passar por uma polpa demagógica e caroços de poesia-de-caderno-da-Hello-Kitty. Habitualmente faço uma leitura diagonal (vá, já não leio) e sigo directamente para a conclusão, onde finalmente resume aquilo que se diria em duas páginas.

Enquanto moderadora tem um papel: apresentar os oradores, ver as horas, fazer um resumo no fim, abrir a discussão, se possível. Mas não. A poetisa decidiu fazer uma introdução oral muito ao modo das suas introduções escritas. Por momentos pareceu que iria irromper em canção. The Greatest Love of All, da tia Houston, veio à mente. Depois foi só um zumbido forte, pegar no telemóvel e ir espreitar o mail, que perdi o interesse. Lá está. Podia ter ficado toda irritada mas, em vez disso, etiquetei-a mentalmente e siga.

Situação B. A situação B cimentou os sentimentos que começaram a surgir na situação A. Uma senhora, que tinha uns dados interessantes e uma belíssima dicção, acaba a comunicação com um discurso moralista e fofinho e, para pontuar, um poema.

Soou-me condescendente, para mulheres, fofuchinho. Contra mim falo. Certamente já encafuei citações delicodoces em apresentações minhas. Mas visto de fora pareceu-me pouco científico. Estamos em ciências sociais. Batemo-nos constantemente pelo direito de sermos considerados ciência séria. Apresenta-se resultados, dados, teoria. Mesmo dentro da sociologia, o pessoal das classes sociais ou da agência e estrutura já olha para a família e infância como “aw, adorable!”. Começo a compreender que, por sermos gajas, isto ainda tem uma implicação mais hormonal.

Valeu-me de consolo o facto de ser uma conferência de psicologia. A ver se a pecha se mantém nos congressos de sociologia que aí vêm ou se vou ser mais simpática por serem os meus pares. É que, pronto, não é por nada, mas não gosto de psicólogos. 

Capítulo 3. Ensinamentos para o futuro.

Há uns meses o kramer foi ver uma comunicação minha. Disse que eu sou muito informal, deveria improvisar menos e oferecer mais dados. “Se tu passas a vida a estudar, tens conhecimentos sobre o assunto, não há razão para não mostrares que sabes.” Não sendo essa a minha postura (“mostrar que sabes”), a verdade é que ontem foi claro que tudo quanto não seja estritamente científico pode ser lido como falta de saber.

Portanto, retiro esta lição: se não corrijo a minha postura já tendencialmente informal, vou chegar à menopausa e as minhas apresentações vão estar pejadas de gatinhos e eu vou chorar e fazer apelos à acção. I believe the children are our future!!! *choro descontrolado*

Epílogo.

Sento-me num auditório que alberga centenas de pessoas. Uma tipa qualquer pede-me para sair do lugar onde ela estava sentada meia hora antes, para, cito “ficar perto das alunas”. Albarda-se o burro à vontade do dono. Eu movi-me para a cadeira do lado. "Então e nesta?" "Estava aí uma colega minha que não sei se vem." Sento-me na cadeira seguinte. Durante a conferência surge a vontade urgente de sair antes da última comunicação. E aí passei demoradamente com as mamas em frente à cara da doutora e da colega que nunca chegou, forçando-a a assumir uma postura submissa perante as fofas das alunas. Queres psicologia, filhadaputa? Toma lá um  bocadinho de fêmea alfa na testa. Em forma de tetas.

Karvela

Comentários

Tagouy disse…
Adorei a parte da fêmea alfa...;)