Radar | Sonar

Eu juro que eles nascem com um sistema de navegação embutido. Um sonar qualquer, uma morceguice inata que nos passa depois com a idade.

Passo horas na cozinha e ele nada. Faço barulho, tacho, bimbo, lavo o filhadaputa do copo da bimby trinta e cinco vezes. E ele dorme. E brinca. E da da da da da ("dá dá os cornos", digo-lhe eu, "se queres compras!" Às vezes tenho pena dele mas faço figas para que venha a ultrapassar-me em sarcasmo. Mas não muito que até aí aos 5 anos eu tenho as mãos maiores que as dele e ameaço porrada com estas mãos por agora gigantes que um dia lhe hão-de provocar a chamada risa. Adiante). No segundo exacto em que me sento a comer ele liga a sirene.

Vamos a um restaurante e ele porta-se lindamente, brinca, olha – calhandreiro insuportável – para toda a gente que está no restaurante, distribui fofuras. No segundo exacto em que a comida pousa na mesa ele arma a puta.

Não querendo encontrar um padrão nas duas situações acima descritas, há outro exemplos. Eu acordo cedíssimo para trabalhar em descanso. No segundo exacto em que o pai sai de casa e eu fico sozinha, pimbas, renhó para aqui, renhó para ali, ai que estou a acordar, dá-me lá atenção.

Pergunto se não seria possível fazê-los com sensores mais úteis. Uma luz que acende no nariz quando ele tem caca na fralda. Azul para caca, vermelho para super caca (aquela que amarinha pelas costas, um fenómeno que me fascina). Um pi pi pi pi como os carros do lixo quando tem fome. Uma voz robótica qualquer que diz “Senhora minha Mãe, venho por este meio abordá-la, de maneira a informar que necessito de suprir uma das necessidades básicas que apresento na pequena infância. Não obstante o apreço que sinto por Vossa Excelência à partida derivado do imperativo biológico, mas também já fruto de estímulos sócio-culturais que me demonstram que existe carinho recíproco, choro apenas e só porque me encontro com aquilo a que os camponeses chamam larica. Daí que, por favor, rogo-lhe que não leve a peito este choro descontrolado e, diriam alguns, histérico, já que não passa de um momento de fraqueza infantil em muito consequência de não possuir ainda o dom da palavra e, por isso, apenas demonstrar capacidade de expressar-me através da lágrima e, por vezes, do grito. Grato me despeço. Bem-haja.”

Não é possível, dizem-me da régie. Bem, façam lá isso pelo melhor e depois escrevam-me. Ou então esperem pelo segundo exacto em que eu me sente a comer e telefonem-me. 


Karvela  

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