Projeccionistas. A cautionary tale.

Bem sei que vos escrevo em plena moléstia e não sei se será por isso que tenho uma leitura tão alternativa da notícia preferida dos últimos dias, da senhora que esteve nove anos morta num apartamento. As manifestações públicas de pesar parecem-me uma clara projecção do medo de acabar da mesma maneira. Pessoalmente é isso que temo, dar-se-me o fanico e ninguém chegar nos nove anos seguintes para me acudir. 

Depois vêm as almas sensíveis carpir a sorte dos pobres idosos, que tão sozinhos estão. Sim, há muitos idosos que estão sozinhos e têm filhos e netos que podiam ter levado mais na boca quando eram piquenos para aprender a respeitar os mais velhos. E isso é de facto muito triste. As histórias de idosos abandonados nos hospitais partem-me o coração em mil pedaços; nem tenho palavras suficientes para exprimir a consternação que me causa.

Mas também há pessoas que escavam esse fosso durante toda a vida e depois chegam a velhos e esperam que tudo seja perdoado. Na minha família tenho alguns exemplos... tenho tios que não sei se vivem se morrem. E francamente interessa-me muito pouco porque toda a vida se afastaram voluntariamente, foram maus, foram mesquinhos, não perguntam se os familiares estão bem senão para alardear de seguida o quão mais espectacular está a vida deles. Tenho familiares que se se finassem num apartamento a não sei quantos quilómetros e não me aparecessem à frente só me dariam a entender que estavam a ser mais do mesmo que foram toda a vida.

Esta história e os medos que despertou é menos sobre famílias que abandonam idosos e mais sobre pessoas que se isolam e depois esperam um fim diferente. Vão lá tratar bem os vossos amigos e um ou outro familiar e daqui a cinquenta anos vejam as recompensas que vos esperam. Ou então não, continuem a ser as bestinhas anti-sociais que são e depois quando se engasgarem numa côdea de pão peçam ajuda aos 12 gatos. 

Karvela

Comentários

Mariam disse…
Por que é que tu escreves sempre aquilo que eu acho e não consigo escrever? Tiras sempre as palavras da boca, ou melhor, arrancas-me os pensamentos do cerebelo!
É pá, fonix...

É isto mesmo. Esse pessoal que, depois de uma vida de cenas histéricas ou ausências nas horas H, lhe dá uma de que a idade é um posto... quando os mandam morrer longe, obedecem, pois claro!

E o cão? Também não devia ser lá essas espertezas. Um gato te garanto que saltava do 4.º andar e se punha à fresca na primeira curva.
Piston disse…
Acho que me engasguei com este post.
Anónimo disse…
Concordo completamente amiga, há muitas pessoas que simplesmente afastam tudo e todos e depois...pode dar nisto!
Mas também é triste ter ouvido que afinal a sra tinha "herdeiros" que agora se lembraram dela, seja por que razão fosse que existia afastamento, agora querem reclamar a mobília de uma velha de "95" anos e uma casa onde esteve alguém morto durante 9!! Gostos não se discutem...

Catarina
Maria Flausina disse…
É isso e as pessoas que cá ficam saberem que essa pessoa foi sempre insuportável, mal educada e ruim, mas depois, coitadinha, morreu passa a ser uma santa...
Ana disse…
Olha, não poderia estar mais de acordo. O meu pai é viúvo, e vive sózinho. É verdade, admito que poderia visitá-lo mais vezes, etc e tal, mas se não há uma visita, há telefonemas, há maneiras de sabermos se está tudo bem, ou não. E de parte a parte. Tanto assim é que se se passa algum tempo sem o meu cota dar sinal, começo a estranhar. Colhemos o que semeamos, é uma verdade incontestável!
Anónimo disse…
Não podia concordar mais!
Ana Isabel Gândara
tagouy disse…
amiga não podia estar mais de acordo contigo...
Anónimo disse…
Se deixar de comentar o teu facebook ou blog mandas a polícia vir a minha casa, ok?