O meu colega, pessoa sem noção

Eu tenho um colega que é uma pessoa sem noção. Chamemos-lhe Ciganito, uma vez que um dos seus apelidos é estranhamente igual ao de um conhecido jogador de futebol que tem como principal atributo ser, portanto, cigano. A grande diferença é que o futebolista não sabe mesmo mais do que aquilo que lhe ensinaram; este está em Doutoramento e só posso adivinhar que tenha ali um nadinha de autista - for real, for real - porque não há outra explicação.

O Ciganito tinha o estranho hábito de, durante as aulas, questionar tudo e todos, professores, alunos e objectos inanimados, utilizando quase sempre o mesmo ritual:
- Esticar o dedo ou a caneta durante o tempo que fosse necessário para alguém notar que estava com o dedo ou a caneta esticados.
- Apertar os lábios com força.
- Franzir a unicelha.

E, quando dada a oportunidade de falar, começar 99% das frases com (metam-lhe um sotaque de Viseu em cima...):

"Senhor Professor, na minha tese de sociologia económica, faço uma análise muito rigorosa da (inserir aqui assunto da análise rigorosa) e posso dizer que Pareto é sem dúvida o sociólogo mais importante que jamais existiu. Além disso, sou amigo pessoal do Professor (inserir aqui nome em inglês impossível de compreender) e nas nossas frequentes trocas de correspondência (inserir aqui olhares em branco dos colegas, trocas de papelinhos entre as meninas, gente a escrever sms, professores a ver as horas...)"

Até aí era apenas chato. A partir do momento em que começou a notar que a minha colega C. leva umas mini-saias de fazer corar as trabalhadoras da Av. Almirante Reis, apaixonou-se. Começou a enviar mails para a C., através do mail geral do grupo, dedicando-lhe músicas.

Eventualmente, tivemos oportunidade de lidar com o Ciganito fora do contexto académico, nomeadamente num jantar de turma.
Ficámos a saber que:
- Ele tem que casar nos próximos dois anos por questões de família.
- Ele tem que ter dois filhos varões, chamados Abraão e Isaac.
- Nunca teria feito avanços à C. se soubesse que ela tem namorado.
- Hés perfect britishe écsent.
- Come espinhas do salmão. Eu disse: come espinhas do salmão.

Não havendo qualquer hipótese de concretizar com a C., apaixonou-se naquela mesma noite pela S., que ficou sentada ao seu lado e com o braço negro de tanta porrada seguida de "... ó S., diz-me lá, pensas formar família brevemente?"

Por não entender que um e-mail de grupo de Doutoramento não é local para assuntos pessoais, quase todos nos desentendemos com ele nesta fase dos trabalhos, em muito motivados pelo stress, mas sobretudo porque ele é, de facto, insuportável. A sua última mensagem, respondendo a todos dizendo que devemos ter cuidado por, e cito, ter "alguma graduação em karaté" foi a vez mais recente que caí fisicamente de uma cadeira de tanto rir.

Acho que no segundo semestre vamos todos ficar a conhecer o doce sabor do metal de uma AK-47 no abdómen.

Karvela (amigas companheiras ajudem-me a lembrar mais coisas!)

Comentários

Anónimo disse…
é no minimo brilhante esse teu "colega sem noção"...
Anónimo disse…
Karvela,
hilariante a tua descrição. Aliás, invariavelmente dou verdadeiras gargalhadas com os teus posts. Lembras-me os filmes que faço com um dos meus irmãos, passamos a vida a rir com coisas destas.
beijinhos,
Margarida
Sandra Cunha disse…
Ó pá.... a tua turma é muito mais divertida que a minha!

Ou então é uma Karvela que lhe falta.
LOL essa descrição foi do melhor, Karvela!
Flávio disse…
Tens noção que a restrição ao acesso a armas de fogo é uma coisa boa, neste caso?
O gajo tem todos os ingredientes da receita "Psico Killer"!!!
Anónimo disse…
Adorei este post. O teu melhor nos últimos tempos!
Será que ele é um misto entre indiano e gajo de familia ultra conservadora do norte?
Deixo a pergunta...
Anónimo disse…
Brilhante, brilhante é a descrição do cromo! (lourencinha)
Piston disse…
É o tipo de gajo que queres ter como amigo no dia em que se passar dos cornos e decidir limpar todas as vidas de uma sala.
Salta Pocinhas disse…
LOLOLOLOLOL

Eu sabia que tinha um bom motivo para passar aqui no tasco hoje.

E pronto, tá zurrado!