Nelos, Nelos por todo o lado
Os transportes públicos são fonte eterna de inspiração, para mais quando são espaços muito abertos como o catamarã. Como os horários das pessoas são semelhantes, acabamos por ver sempre as mesmas caras durante meses ou anos a fio.
Os cromos do costume, nos meus horários são:
a) O grupo de 7 ou 8 senhoras que falam muito alto e que vendem umas às outras todo o tipo de bijutarias e cremes; que mostram fotografias dos filhos, dos netos e, algumas, desconfio que dos bisnetos.
b) O grupo que tentamos fintar na fila para beber café (sim, porque os catamarãs têm um cantinho para o pequeno-almoço...)
c) Todos quantos tentam dormir meia hora e já não suportam os berros das galinhas, animais nos quais eu admito que por vezes me incluo.
d) O senhor que vai sempre a ler uma revista de informática mas raramente muda de página, porque se interessa mais pelas conversas que acontecem à sua volta, não tendo qualquer pudor em manter a revista em posição de leitura, mas os olhos fixos em quem está a falar.
e) O senhor desengonçado, com quase dois metros de altura, que dorme numa posição inacreditável, num ângulo impossível de manter por alguém que não seja feito de arame.
Mas o cromo vencedor de hoje é um ser soberbo que merece toda a minha atenção diária. Ele pode ser descrito sucintamente como um Nelo, como em Nelo e Idália. Tem o cabelo prateado, três ou quatro cachuchos nos dedos, uns óculos grandes demais para a cara. Carrega, inevitavelmente, uma mala de mão… ele pode tentar enganar-vos dizendo que aquilo é para homem, mas não é! Às vezes faz parte do grupo a), sendo um assíduo consumidor dos cremes que uma das senhoras vende. Está sempre a cirandar no barco, fazendo abanar suas ancas firmes e as borlas que pendem dos também inevitáveis mocassins, conversando com metade das pessoas, mostrando fotos e artigos de revistas. Hoje foi a gota de água. Por falta de espaço, eu e três amigas sentámo-nos perto dele. Eu sentei-me ao seu lado. Pouso a mochila em metade do banco que ficou entre nós e ele pousa uma revista na sua metade. Quando a publicação se desenrolou no banco não era a Visão nem a Sábado, não era Pública nem a DNMagazine; não era sequer a TVGuia, que ainda é ambiguamente de macho porque traz os horários dos jogos de futebol. Era a Grazia, essa revista tão masculina, onde temos as mais recentes tendências de moda, de maquilhagem e mexericos. Sugiro as seguintes desculpas, senhor Nelo “É para ver as gajas boas.”; “É para saber o que as gajas querem na cama.”; “Isto traz um artigo sobre o George Michael, que é um bom artista.”
Mas, no fundo, é uma pessoa bastante discreta, fala sempre muito baixo, a não ser quando se junta às galinhas e aí torna-se uma delas. Mas qual é a mulher que não se deixa contagiar por uma boa galinhagem?
Karvela
Os transportes públicos são fonte eterna de inspiração, para mais quando são espaços muito abertos como o catamarã. Como os horários das pessoas são semelhantes, acabamos por ver sempre as mesmas caras durante meses ou anos a fio.
Os cromos do costume, nos meus horários são:
a) O grupo de 7 ou 8 senhoras que falam muito alto e que vendem umas às outras todo o tipo de bijutarias e cremes; que mostram fotografias dos filhos, dos netos e, algumas, desconfio que dos bisnetos.
b) O grupo que tentamos fintar na fila para beber café (sim, porque os catamarãs têm um cantinho para o pequeno-almoço...)
c) Todos quantos tentam dormir meia hora e já não suportam os berros das galinhas, animais nos quais eu admito que por vezes me incluo.
d) O senhor que vai sempre a ler uma revista de informática mas raramente muda de página, porque se interessa mais pelas conversas que acontecem à sua volta, não tendo qualquer pudor em manter a revista em posição de leitura, mas os olhos fixos em quem está a falar.
e) O senhor desengonçado, com quase dois metros de altura, que dorme numa posição inacreditável, num ângulo impossível de manter por alguém que não seja feito de arame.
Mas o cromo vencedor de hoje é um ser soberbo que merece toda a minha atenção diária. Ele pode ser descrito sucintamente como um Nelo, como em Nelo e Idália. Tem o cabelo prateado, três ou quatro cachuchos nos dedos, uns óculos grandes demais para a cara. Carrega, inevitavelmente, uma mala de mão… ele pode tentar enganar-vos dizendo que aquilo é para homem, mas não é! Às vezes faz parte do grupo a), sendo um assíduo consumidor dos cremes que uma das senhoras vende. Está sempre a cirandar no barco, fazendo abanar suas ancas firmes e as borlas que pendem dos também inevitáveis mocassins, conversando com metade das pessoas, mostrando fotos e artigos de revistas. Hoje foi a gota de água. Por falta de espaço, eu e três amigas sentámo-nos perto dele. Eu sentei-me ao seu lado. Pouso a mochila em metade do banco que ficou entre nós e ele pousa uma revista na sua metade. Quando a publicação se desenrolou no banco não era a Visão nem a Sábado, não era Pública nem a DNMagazine; não era sequer a TVGuia, que ainda é ambiguamente de macho porque traz os horários dos jogos de futebol. Era a Grazia, essa revista tão masculina, onde temos as mais recentes tendências de moda, de maquilhagem e mexericos. Sugiro as seguintes desculpas, senhor Nelo “É para ver as gajas boas.”; “É para saber o que as gajas querem na cama.”; “Isto traz um artigo sobre o George Michael, que é um bom artista.”
Mas, no fundo, é uma pessoa bastante discreta, fala sempre muito baixo, a não ser quando se junta às galinhas e aí torna-se uma delas. Mas qual é a mulher que não se deixa contagiar por uma boa galinhagem?
Karvela
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